Manchester United: Declínio e queda? (por John Brealey)
Na segunda-feira, 24 de fevereiro, Sir James Ratcliffe, proprietário minoritário do Manchester United, mas com controle de todas as operações esportivas, anunciou que 200 empregados em Old Trafford seriam tornados “redundantes”, além dos 250 que já tinham sido anteriormente demitidos. Juntamente com outras medidas como o fechamento do escritório em Londres, aumento no preço dos ingressos e a abolição de refeições quentes na cantina para os funcionários, esta era parte de um grande plano para “devolver a rentabilidade ao clube” e mostrar “sucesso em campo além de melhorar nossas instalações”.
Mas ninguém precisa ser um descrente ou um gênio das finanças para ver que isto não fará coisa alguma para aliviar os persistentes problemas financeiros que têm contribuído para afundar este grande clube, apesar de sua ilustre história e de seus 659 milhões de torcedores espalhados pelo mundo, levando-o a seu atual nível de mediocridade. Na verdade, a impressão passada não apenas aos torcedores, mas a todos os que vêm acompanhando o United nos últimos anos, é que estamos apenas rearrumando as cadeiras no convés enquanto o Titanic ruma de encontro ao iceberg.
O que todos os observadores sabem é que a principal razão do atual estado de calamidade do clube não é um almoço grátis para seus empregados ou a existência de um prestigiado escritório em Londres, mas uma dívida. Há vinte anos o Manchester United estava sob a direção de Sir Alex Ferguson, um histórico vencedor, e não tinha dívidas. Então uma imensa dívida caiu sobre sua contabilidade, não para construir um novo estádio ou contratar jogadores extra-classe, mas simplesmente para permitir que a família Glazer se instalasse como proprietária e passasse a sugar os lucros.
Foi uma operação de 790 milhões de libras esterlinas, financiada principalmente através de empréstimos com os bens do clube como garantia, resultando em um bilhão de libras em juros nas últimas duas décadas, com a geralmente ausente família Glazer abocanhando muitos milhões anualmente em dividendos. Entrementes, o débito permanece na contabilidade do clube como um tumor maligno ao custo de 60 milhões de libras em pagamentos anuais. Ninguém nega que havia a necessidade de cortar despesas, pois, antes da chegada de Ratcliffe, o United tinha 1100 empregados, três vezes mais do que o Liverpool. Mesmo assim os cortes foram desnecessariamene cruéis, sem um mínimo de empatia para empregados sumariamente postos no olho da rua, alguns dos quais depois de toda uma vida a serviço do clube. Pior ainda, para torcedores que têm acompanhado o clube fielmente mesmo em seus piores momentos, depois da queda veio o coice, com aumento de preço de ingressos sem descontos para crianças ou aposentados.
A dívida é imensa, mas é apenas parte do problema. Os fracasos em campo são repicados por falhas ainda maiores na administração do clube. Exemplos são encontrados no pagamento de 15 milhões de libras de indenização ao ex-técnico Erik ten Hag e seus auxiliares, pouco mais de três meses após renovarem seus contratos, seguido pelo pagamento de outros 4,1 milhões de libras ao recentemente contratado Diretor Técnico Dan Ashworth depois de tirá-lo de onde ele se encontrava, o Newcastle, sob a alegação de que ele era “o homem mais indicado para o lugar” - mas decidindo, pouco depois, que não era. E isto não é nada, comparado com os 200 milhões de libras colocadas à disposição de Ten Hag para ele contratar jogadores de qualidade duvidosa na janela de transferências do verão. Tudo isto deixa claro que a presente administração não mostrou competência ao adquirir jogadores excessivamene caros, como Antony, tirado do Ajax ao custo de 82 milhões de libras e que se mostrou tão ineficaz que acabou emprestado ao Real Betis. Ou a aquisição por 60 milhões de libras em 2022 do veterano Casemiro, do Real Madrid, com um contrato de quase 16 milhões de libras esterlinas por ano ao longo de quatro anos. Depois de uma ótima primeira temporada, Casemiro, agora com 32 anos, está quase sempre relegado ao banco - onde é acompanhado por Mason Mount. Este, que não estava bem no Chelsea, assinou um contrato de cinco anos em 2023, por 55 milhões de libras, que vem a dar em 13 milhões de libras por ano, e está quase sempre machucado. Uma estratégia contratual tão ruim assim não leva a crer que o declínio do Manchester United, outrora um expoente da Premier League, venha a ser interrompido em breve.
Não é de admirar que o Manchester United tenha ficado no total 254 pontos atrás dos campeões da Premier League nos úlimos 11 anos, ou que esteja no momento firmemente ancorado nas últimas colocacões apesar de ter gasto quase dois bilhões de libras esterlinas em jogadores depois que Sir Alex Ferguson se aposentou em 2013. Nem é de admirar que um time de jogadores apenas medianos (com a honrosa exceção de Bruno Fernandes) não consiga se adaptar ao rígido esquema 3-4-3 de Ruben Amorim, o novo técnico. Não há dúvida que a contratação de Ruben Amorim, que estava no Sporting de Lisboa, foi uma boa medida, levando-se em conta seus sucessos naquele clube (entre os quais uma vitória por 4 a 1 sobre o Manchester City, de Pepe Guardiola, na Champions League), seu inglês fluente suas qualidades como técnico. Ele estava até na mira do próprio Manchester City, como sucessor de Pepe Guardila, e do Liverpool, para o lugar de Jürgen Klopp. Mas sabe-se que o Liverpool desistiu dele exatamente por causa de seu inflexível 3-4-3 e tal inflexibilidade tem muito a ver com a sucessão de maus resultados no United. Vale a pena lembrar Graeme Souness, antigo expoente do Liverpool no meio-de-campo: “É preciso ser muito corajoso ou muito ingênuo para chegar em um clube e impor seu estilo tático sem conhecer bem os jogadores. Trabalhei com grandes técnicos no passado e não foi isto o que aprendi com eles”. Pode-se porém dizer em defesa de Amorim que ele nunca escondeu que seria fiel a seu estilo e preferia esperar para assumir no United apenas ao fim do atual campeonato, mas acabou assinando contrato porque o clube disse que seria “agora ou nunca”. É fácil dizer “eu sabia”, mas não dá para compreender porque o Manchester United não poderia ter ficado com o auxiliar Ruud van Nistelroy como técnico interino depois da saída de ten Hag. Afinal, ele tinha sido um ídolo do clube como jogador e nos quatro jogos em que foi técnico conseguiu três vitórias e um empate.
A chegada de Sir James Ratcliffe em fevereiro de 2024, como sócio minoritário mas com controle do futebol através da INEOS Sport (uma subsidiária do grupo químico INEOS) foi saudada com alívio pelos torcedores do Manchester United pelo mundo afora. Depois de 29 anos de declínio nas mão da permanentemente distante família Glazer, aqui estava um esportista inglês e velho torcedor do United, além de fundador do grupo INEOS, que o tinha tornado um multi-bilionário. A INEOS Sport tinha experiência em corridas da Fórmula 1, ciclismo, iatismo e rugby. Estava também envolvida em futebol, como proprietária do clube suíço Lasanne-Sport e do clube francês Nice. Havia portanto razão para otimismo por parte dos torcedores em Old Trafford, depois de tantas “falsas alvoradas”. Esta porém era a impressão na época, mas não é a impressão atual, a julgar pelo que disse Jim White, do jornal Daily Telegraph, em uma carta-aberta a Sir James:
“…apesar de todos os planos e projetos aqui e ali, tudo o que você toca em matéria de esporte parece acabar mal. Na Fórmula 1, no iatismo e no rugby, os únicos troféus que você conquistou foram processos judiciais a torto e a direito. Suas investidas em ciclismo estão em inexorável declínio. Seu clube Nice não parece estar indo a lugar algum. Agora, no United, você parece estar simplesmente destinado a acrescentar mais um fracasso em seu currículo por se recusar a encarar a montanha de excremento de elefante que é o legado das dívidas dos Glazer…”
Podemos apenas concuir que o prometido “sucesso em campo” não vai acontecer com muita rapidez.